O Rali Safari deste fim de semana representa um raro esforço do promotor do Campeonato Mundial de Ralis (WRC) em evocar as glórias dos ralis do passado.
É mais ou menos consensual que ao longo de mais de uma década o WRC Promoter não quis saber de tradição nem de glória do passado, quis sim ralis novos, países novos, esquemas novos... tudo que fosse novo era bom.
Felizmente nos últimos 2 anos pareceu mudar um pouco a perspectiva, mas já há mais do que 2 anos a vontade em ir a África vinha crescendo. A paixão que o Presidente da FIA - Jean Todt - tem pelo Rali Safari, fez pressão.
O Rali Safari é icónico, era a ida dos homens dos motores para os territórios quase selvagens e inóspitos de África lutar contra tudo. A prova disputava-se em estradas abertas ao público, no início deste século eram 1.000 quilómetros contra o cronómetro, mas uma década antes eram 2 ou 3 mil quilómetros competitivos. Hoje em dia os ralis do mundial não chegam a ter 400km contra o cronómetro.
Eram testes incríveis a máquinas e pilotos, as equipas deslocavam para o Quénia meios impressionantes de apoio (não pensem que me refiro a grandes áreas de hospitality para receber convidados, nada disso, eram sim carros, veículos 4x4, furgões, camiões, helicópteros, material com fartura, etc). Pilotos e navegadores passavam por lugares incríveis, por desafios inimagináveis, na época das chuvas era um inferno, e os fotógrafos deliciavam-nos com fotos espectaculares dos carros de rali completamente fora do seu habitat.
Por falar em fotos, a que ilustra esta notícia com o Kilimanjaro como fundo é das mais conhecidas relativas ao Rali Safari. Curiosamente não é do Rali Safari, o próprio Reinhard Klein, que na altura liderava a McKlein Photography, contou que a foto foi tirada num teste da Toyota para a prova. E contou ainda que a parte mais complicada foi convencer os dois habitantes locais, que estão na beira da estrada a ver o Toyota Celica, não fugissem com a aproximação deste. Nada que um maço de notas não tenha resolvido, mas não foi à primeira.
A ida ao Safari falhou em 2020 por causa da pandemia, acontece agora, este fim de semana. Mas que Rali Safari podemos esperar? Que memórias nos trará? Provavelmente muito poucas.
Será um Safari compacto, um rali muito parecido com os outros. Com 320km de troços a ideia de maratona desafiante foi à vida. Serão troços fechados ao trânsito, com parque de assistência em zonas pouco selvagens. Esqueçam a ideia de ver um animal selvagem junto aos troços, porque até isso será controlado (espera-se...) pela organização.
Jari-Matti Latvala lamentava esta semana em entrevista ao Dirtfish.com o facto dos carros não terem as protecções que tinham no passado, e que eram uma questão de sobrevivência mecânica contra os imprevistos. O finlandês dizia que pelo menos a grelha frontal poderia ter sido permitida e até obrigatória, isto para que as fotos e imagens da prova mostrassem que era um rali em África diferente dos outros.
Com os carros iguais aos outros ralis, um esquema igual aos outros ralis, com um percurso pouco selvagem, sem chuva, este Safari terá apenas na dureza dos pisos o factor diferenciador. Mas se queriam pisos duros não precisavam de ir a África, em Portugal bastava não arranjar certos troços e teríamos pisos tão duros como o Safari.
Em resumo, o WRC vai a África, será a prova mais cara do campeonato, num país que quase não tem mercado automóvel. A moldura humana nos troços será mais escura, é uma diferença em relação às restantes provas. Mas depois, veremos um rali similar aos outros, apenas mais duro a fazer os carros partir mais facilmente e com muito pó. Parece-me muito pouco retorno para tanto investimento.
Acima de tudo parece-me uma mão cheia de nada para tanto ruído e para tanto dinheiro que vai custar às equipas.